28 de julho de 2014

MENTIRA E OMISSÃO, IDADE E MATURIDADE, IMAGEM E ESSÊNCIA

"Roberto Shinyashiki está cansado dos jogos de aparência que tomaram conta das corporações e das famílias. [...] Num teatro constante, são todos felizes, motivados, corretos, embora muitas vezes pequem na competência. Dizem-se perfeccionistas: ninguém comete falhas, ninguém erra."

O trecho acima, da entrevista de Roberto Shinyashiki para a revista Isto é (N° Edição:  1879 | 19.Out.05), é interessante para minhas observações, apesar de a entrevista tratar da cultura da aparência no âmbito profissional. De minha parte, quero tratar da cultura da aparência no âmbito dos relacionamentos interpessoais/sociais, de uma forma mais geral. Para isso, proponho a seguinte pergunta:

* o que você perde sendo transparente, autêntico, honesto, sincero, verdadeiro?

É praticamente um consenso dizer que em todo início de relação, as pessoas "só" deixam à luz o seu "lado bom", seus comportamentos louváveis, suas atitudes e feitos que são valorizados pelo alheio. Seja para amizade, para trabalho, para namoro, para contato, é "natural" agirem assim. Nós vivemos num ambiente que constantemente hostiliza aquilo que temos de humanidade "ruim". Em meu poema predileto, Cântico Negro, José Régio inseriu:

"Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo."

Em outras palavras, ele sabe que é humano. Sabe que tem em si aspectos que socialmente - e também individualmente! - podem ser considerados positivos e negativos, bons ou ruins.
Agora, parece que quanto mais velhas as pessoas ficam, mais aprendem a mentir e omitir. Mais aprendem a ter de ser - demasiadamente! - frias e controladas para não fazerem transparecer seus sentimentos, emoções e, mais, suas razões "negras", como se não tivessem alma (vale lembrar que alma é uma palavra que vem do latim "anima", que também significa ânimo). Lembram-me duma frase famosa, que circula normalmente no facebook, com assinatura de Freud: "Somos feitos de carne e osso, mas temos que viver como se fôssemos de ferro". É justamente essa necessidade de "ser de ferro", de ser algo "mais vigoroso" do que realmente somos, de nos mostrarmos como um ideal ordenado - ou mesmo perfeito - e não como uma realidade caótica (um viciado em Nietzsche, como eu, não poderia deixar de falar assim) que produz essa doença - a artificial necessidade de parecer ser mais do que se é e mais do que se pode ser.

Há dois instrumentos para isso. O primeiro e mais conhecido, embora socialmente condenado, é individualmente bastante utilizado: a mentira. De uma maneira geral, as religiões condenam a mentira, as morais condenam a mentira e até as leis podem chegar a proibi-la. Enfim, as instituições humanas condenam a mentira. Mas nesse mundo competitivo, mentimos: mentimos ter feito um curso que não fizemos para conseguirmos um emprego, mentimos não termos problemas pessoais, mentimos, mentimos, mentimos... (Ok, eu estou usando a terceira pessoa do plural, mas é por estilo, jamais por desejo de pertencer ao coletivo). A mentira é fruto do egoísmo, da vontade ou necessidade de obter uma vantagem, indevidamente. Há também, um "porém": mentimos porque temos a crença de que a pessoa a quem estamos enganando não teria cacife para aceitar a verdade, a realidade. E eu suspeito mesmo que a maioria não tem, porque a experiência está me mostrando que quanto mais as pessoas adquirem idade, mais estão cultivando e aprimorando as suas mentiras para fins de se darem bem na vida, de obterem recompensas sem o correspondente mérito. Se a mentira está se disseminando, é porque existe contrapartida. Estamos nos tornando "adultos infantis", não porque somos lúdicos, mas porque somos mentirosos e a mentira é um ato infantil, um ato de alguém que, por medo diante do poder do pai e/ou da mãe, oculta a verdade substituindo-a por uma invenção. Que relacionamentos sociais e interpessoais iremos construir nesse emaranhado? Serão relacionamentos verdadeiros ou relacionamentos falsos? Aposto tudo que pertencerão à segunda alternativa. E isso só pode levar o relacionamento social/interpessoal ao insucesso, com consequências drásticas. Um funcionário que não sabe digitar e foi contratado com a função de digitador em uma empresa, tende a gerar um bom desperdício, havendo mentido que tinha conhecimento de digitação. A empresa tende a ter problemas com os clientes em função disso e assim vai... O efeito é dominó, nesta minha hipótese. E num namoro, então? E numa amizade?

Todavia, na minha visão, um ato tão prejudicial quanto a mentira é a omissão. Mas este é mais corriqueiro e inúmeras pessoas que sentem remorso por mentir, não teriam nenhum peso na consciência por omitir. Omitir é deixar de dizer. "Mas é claro, ninguém tem o dever de dizer tudo aos outros" - poderiam me argumentar. Não é isto que estou dizendo, que se deve dizer tudo. Num relacionamento, nos sabemos ou pressupomos o que é importante para o outro. Ninguém também vai mentir sobre tudo, vai mentir somente se considerar que o outro não deve saber da verdade. E é aí que mora o perigo. Temos critérios para definir mais ou menos o que é e o que não é importante para pessoa com quem estamos nos relacionando (em termos profissionais e pessoais: no trabalho, na amizade, no amor). Não somos imbecis. Podemos discernir e, de certo modo, há um bom senso sobre o que é importante e o que não é. Fazemos essa ponderação instantaneamente, já que estamos acostumados a nos relacionar, em sociedade. Por isso, eu penso: se mentir é esconder a verdade através das palavras, omitir é escondê-la através do silêncio. Mudam-se os meios, mas não o fim. Trocam-se palavras pelo silêncio, mas o propósito é ocultar a verdade, a realidade.

Obs.: tenho quase certeza de que muitas pessoas não concordam com o que eu disse sobre a omissão, mas não estou aqui para obter seguidores.

Todo este texto estava sendo pensado há tempos, mas foi impulsionado para ser publicado agora por causa de uma conversa simples de uma garota que conta com 18 anos de idade e um sujeito que está pra lá dos 30. Sem necessidade de responder a perguntas, ela disse coisas importantes. Ela já sabia o que era preciso dizer para que as coisas fluíssem para o lado bom, independentemente do que ocorresse: era preciso dizer a verdade, era bom dizer a verdade. Evidentemente, o ouvinte poderia esbravejar ou poderia aceitar as coisas como são, a realidade como é. Mas se ele esbravejasse, a infantilidade seria dele. Mas se ela mentisse ou omitisse, a infantilidade seria dela. Enfim, eles começaram uma relação de amizade de maneira madura, pois ambos agiram com maturidade. Talvez ela nem se dê conta de tudo isso sozinha, talvez mude, talvez sofra desventuras que a tornem diferente. Talvez ele também tenha compreensão errada de tudo, talvez se ferre por conta disso, talvez seja tolo. Mas a soma de todos os "talvez" que aqui foram ditos não chega aos pés da certeza que o ato inicial desse relacionamento interpessoal foi maduro. Será que não precisamos abandonar nossas infantilidades prejudiciais e recuperar a nossa jovialidade benéfica? Porque, nessa sociedade cultivadora das aparências, parece que à verdade não é dada a devida importância. Sinto-me na era das falsas imagens: fotos felizes, casamentos felizes, trabalhos satisfatórios etc. Não será tudo "fachada"? Fotos do que não somos? Quero descer do palco deste teatro chato. Já dei meus primeiros passos. Deixo também este "ensaio" para que leitores reflitam.

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